quarta-feira, 23 de julho de 2014


Um Olhar Psicológico sobre a Tensão Político-Militar em
Moçambique


              *Custódio Sumbane 
                                           
Afinal de contas a quem este Moçambique lindo pertence? Ao povo como o Primeiro Presidente de Moçambique Independente Samora Moisés Machel dizia ou a um grupo de indivíduos que se fazem passar de representantes do Povo? Suponhamos que o poder está mesmo com o povo, será que a sua voz se faz respeitar? Será que se quer transformar este lindo país em holocausto judeu onde os direitos humanos foram destruídos? Quer se vivenciar ainda a guerra dos 16 anos, onde milhares de crianças, adolescentes, jovens, adultos e velhos deixaram de gozar dos verdes solos e os 1000 anos que Deus lhes tinha prometido na terra? Quer se voltar a destruir todas as infra-estruturas construídas dentro do sacrifício e de empréstimos de fundos que até hoje alguns ainda não foram reembolsados? Será que estamos num país democrático com liberdade de expressão, direito à protecção ou ainda direito à vida? Será que já se parou para pensar em termos do tipo de Personalidade que se pode desenvolver depois de as crianças serem educadas dentro dum ambiente hostil ou de guerra? Será que se está a respeitar a Declaração Universal dos Direitos Humanos aprovada a 10 de Dezembro de 1948 pela Organização das Nações Unidas (ONU)?

Essas inquietações são, de facto, de todos os moçambicanos e carecem de resposta! Mas, lembrem-se que segundo Estanqueiro (1992), independentemente das nossas diferenças: hábitos, costumes, valores, crenças, grupos étnicos, estatuto socioeconómico, estilo de vida, estilo de aprendizagem, cor da pele; somos todos iguais em dignidade. Isto quer dizer que embora sejamos diferentes merecemos respeito um ao outro e há necessidade de se desenvolver uma atitude empática que ajudar-nos-á a compreender os solos da emoção do nosso parceiro, companheiro, amigo, irmão, pai, professor, tio, avô, primo até mesmo do nosso inimigo.
Assim, partindo das possíveis respostas que podem surgir das perguntas supracitadas, se pode afirmar que, o país está de cabeça para baixo e de pernas para o ar, pois, as desavenças dos superiores hierárquicos causam à milhares de famílias uma situação de dor inesquecível e irreparável. Choram lágrimas de sangue devido a crucificação dos seus ante queridos como se fossem gado no matadouro. E devido à perda de seus bens e sobretudo à vida que nunca trar-lhes-iam de volta. Sendo que, milhares de crianças foram colocadas numa situação de vida ou morte e algumas massacradas como aconteceu no holocausto da Segunda Guerra Mundial. Para recordar este triste cenário, poder-se-ia chamar Cury (2002:98-99), para nos contar em linhas gerais o que, de facto, aconteceu com as crianças judias.
Na Segunda Guerra Mundial, muitos judeus foram enviados para os campos de concentração: um depósito humano, pior do que uma pucilga. Elas choravam alto, mas ninguém as ouvia. Sentiam dores, mas ninguém as aliviava. Passavam frio, mas ninguém as aquecia. Gemiam de fome, mas ninguém as saciava. Será que pelo menos os jovens e as crianças judias foram bem tratados? Não! Não podiam andar nas ruas, comprar, ter amigos, ter carinho de seus pais e ir para a escola. Perderam tudo! Por fim, mais de um milhão de crianças e adolescentes judias morreram.

Em suma essa história retrata uma situação em que os direitos humanos foram destruídos. Que situação triste! Será que não é a mesma coisa que está acontecer com as crianças moçambicanas? As crianças são invadidas nas suas próprias casas com tiroteios repentinos como se estivessem afugentar passarinhos ou macacos na machamba. Esses tiroteios criam situações de pânico e trauma irreparável. As crianças são obrigadas a dormir nas savanas, florestas e faunas com animais perigosos que corrompem o território da sua emoção e coloca em risco a sua vida. Imagine o desespero que vivem cada uma dessas pequenas e belas pessoas. O sol nasce, o brilho abre, as janelas da sua memória na tentativa de resgatar a sua identidade, mas, torna-se difícil, devido aos entraves que bloqueiam o anfiteatro da sua memória e os solos da sua alma. O que se espera de crianças educadas em ambientes impróprios, como a guerra sabendo que é das crianças que o país depende?
Segundo Freud, Pai da Psicanálise, advoga que todos os aspectos vivenciados na infância e na adolescência determinam a personalidade do indivíduo. Isto quer dizer que, se uma criança vive ou é educada num ambiente hostil, de guerra, agressiva, de terror, ou vivencia situações criadoras de pânico e trauma, ela pode se tornar em adulto belicista, criador de pânico e provocador de situações traumatizantes para com os outros porque para ela essas atitudes são normais e humanas. Imaginemos uma dessas crianças desempenhando o cargo por exemplo de Chefe do Estado do nosso país, a vida será guerra para toda a eternidade. É isto que queremos? Formamos homens guerrilheiros incapazes de mudar e salvar o mundo das diversas patologias? Reflictamos nessa questão! Estanqueiro (1992), nos alerta que as crianças aprendem por observação e imitação. Elas observam modelos como pais, tios, professores, pessoas admiradas, figuras públicas, representantes do povo e do país até situações que se vivem no país e subsequentemente poem em prática.
Portanto, cabe aos modelos supracitados mudarem de atitude e criarem um ambiente favorável para o desenvolvimento da personalidade dos pequenos e inocentes seres: “as crianças”. Há necessidade de ter se em conta que ninguém aprende a amar se não foi amada, ninguém se abre se não é aceite e ninguém entende a questão da paz se não foi educada num ambiente de paz. Assim, amanhã teremos mendigos, crianças de rua, belicistas e esquecer-nos-emos de que fomos os promotores. Segundo Cury (2002:103), os direitos humanos não podem estar apenas na lei, devem ser tecidos na alma e esculpidos no coração.
 O Acordo Geral de Paz foi estabelecido em Roma, na Itália em 1992, de modo que todos pudessemos estar fora das ameaças que atingem o território da nossa emoção. Mas, mesmo assim ainda se fazem sentir tiroteios que escavam as dores escondidas nos becos das nossas almas há 22 anos. Faz se recordar da história triste das nossas mães que choravam com sacos de arroz e sal percorrendo longas distâncias sem descansar.
Contudo, qual seria a possível solução? Na resolução de conflitos há três estratégias que podem ser tomadas em conta : O diálogo, o ataque e a fuga, (Estanqueiro, 1992). Ainda o mesmo autor alega que, no que concerne à comunicação interpessoal, o ataque é uma estratégia perigosa, porque revela falta de respeito pelos outros e desejo de domínio sobre eles. O diálogo autêntico dá bons frutos. Promove a confiança mútua; gera entendimentos; humaniza as divergências; permite acordos. Porém, este surge, deste modo, como a estratégia ideal para resolver conflitos e aproximar as pessoas. Muitos conflitos entre pessoas, grupos ou nações, foram evitados ou resolvidos pela aposta ao diálogo. Em situações criticas, justifica-se a presença de um mediador (pessoa competente e imparcial) que facilite a comunicação, salientando os pontos comuns e as vantagens do entendimento. Porém, nem tudo é negociável mas, mais vale um acordo frágil, uma solução de compromisso, onde haja cedências de ambas as partes, do que aprisionar o território da emoção das crianças e da sociedade no geral.
Não vamos viver o presente e sem prosperar o futuro. Portanto, vale apena olhar nas crianças como as flores que nunca murcham, dizia “Machel”, pois é delas que o país depende. E lembrem-se ainda que, o único sítio onde o indivíduo não deve ser aprisionado é no cerne da sua alma ou emoção. Portanto, reflictamos!

*Licenciando em Psicologia Educacional
custodiosumbane@gmail.com

2014

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